quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Historieta incompleta escrita por uma atriz para um advogado sobre o primeiro dos tantos pretinhos

Escrever histórias é um modo simples de guardar espaço em nossas vidas para aqueles sonhos que tivemos, os planos que fizemos, os amores que plantamos.
Escrever histórias é um modo de exercitar o “ músculo da imaginação” e perceber que tudo é possível o tempo todo.
A história escrita abaixo foi feita por uma atriz e um advogado. Não aconteceu, de fato, mas está registrada aqui como o amor mais bonito que eu vivi. O filho que eu tenho hoje não é fruto desse amor, mas será um adulto influenciado por essa história que, de fato, foi uma história de amor.
O tempo torna as lembranças melhores. Essa é a beleza de um amor que ficou no passado. Continua lá, bonito, intocado.

Casaram- se num dia qualquer de julho. Estava frio. Receberam na chácara de um conhecido alguns poucos amigos e parte da família.
Tiveram padrinhos. todos eles com vestimentas que variavam quanto a cor e a forma.
Os convidados, ou antes, a platéia diversificavam as interferências, ora batendo palmas, ora assoando o nariz, ora dormindo o sono dos justos (afinal a chácara era bem distante da capital).
Os noivos, como de praxe, deram o beijo da consolidação do enlace e todos partiram para a comemoração. Comeram bolo, dançaram mambo, caíram na piscina (sem roupas).
Não havia crianças no lugar. O único bebê presente ainda não tinha nome ou feições aparentes. Mantinha-se enfurnado no ventre estreito da noiva. O bebê dançava o mambo, comia o bolo, era acariciado vez ou outra . Mas se mantinha ali, discreto, calado.
Nasceu 6 meses depois. Não havia chegado ao mundo bebê mais estranho, de cara chamaram-no de Pedro Pereira . Chamaram-no assim por um único motivo: a sonoridade do nome.
Chegou ao mundo e não chorou. Todos os presentes na sala de parto estranharam: “ Estará morto esse bebê?”
Logo que o bebê viu a mãe ...sorriu. Foi aquele o primeiro de tantos outros sorrisos. Ele tinha as orelhas grandes. Nunca haviam visto orelhas como as dele.
Aquele era Pedro Pereira: veio ao mundo em silêncio e aos sorrisos. Já saiu do hospital apelidado pelas enfermeiras: Pretinho.
Até os 15 anos nada disse. Permanecia calado. Olhar profundo, perscrutador. Se algo lhe perguntavam respondia com um olhar diferente. mas todas as formas de olhar que Pedro tinha só os pais conheciam, só eles sabiam, era quase um segredo.
Aos 21 anos disse a sua primeira frase sentado à mesa de jantar. Mas, ninguém conseguiu ouvi-la. Todos se olharam e resolveram não pedir que repetisse. Mas ele desceu a mão pesada sobre a tábua da mesa, estremecendo toda a louça, e repetiu:
Isso está com gosto de borboleta!!
Sarapantaram-se todos. Borboleta?
Pedro afastou de si o prato e ergueu-se com os olhos e a alma salgados de lágrima. Empurrou a cadeira para longe como se empurrasse também o mundo e sumiu no escuro do corredor. Trancou-se no quarto e dormiu, enquanto a família esmurrava a porta, rogando que abrisse.
Na manhã seguinte, Pedro saiu sem dizer nada a ninguém. Passou por todos na sala e nem um oi.
A família ficou receosa, afinal de contas Pedro havia chegado aos 21 anos a salvo de todas as intempéries da vida: nunca havia tido um resfriado, caxumba, sarampo, nunca havia levado um tombo que de fato o ferisse. Brincava de tudo e com todos e nunca sentira dor. Não sabia o que era dor. Nunca havia perdido um ente querido ou tropeçado em uma pedra.
A mãe o aguardou para o jantar e se surpreendeu com a não chegada do filho na hora exata
...

Pretinho não se parecia nem com o pai e nem com a mãe. Na medida que ia crescendo continuava diferente de tudo.
Existiu na Terra durante 80 anos. Morreu de velhice, quando percebeu não ter mais pra onde olhar.

SP, 10 de maio de 2005

quarta-feira, 4 de outubro de 2006

5 meses ( ou cinco meses) ou ainda mais de 150 dias



Cinco meses e uma pinta na testa. Será alergia? Ousadia? Arranhão? Cinco meses e o balbucio continua e também o brincar com as mãos.
Cinco meses e olha tudo em volta com vontade de pegar. Puxa o meu cabelo e não solta e também adora vomitar.
Cinco meses e tudo vira sorriso: a careta da mamãe, a fala dos priminhos, os gritinhos da vovó e o ciúmes da Jujuba. Fica de bruços e rodopia com as mãos estendidas para tudo a sua volta. Que volta! Que voltas!
Cinco meses e gira pela primeira vez sobre o próprio corpo se apoiando de bruços sem deixar a cabeça cair. Ufa! Ainda por cima sorri e gira de volta. Parece um pião o meninão da mamãe. Cinco meses e a descoberta do Mundo a sua volta parece ser tudo o que importa.
Enfiar a mão na goela até ter vontade de tossir, balançar os pés e as mãos sem parar até tudo girar. Comer a maçã sentadinho e dormir com a colherzinha na boca.
Desmaiar de cansaço de tanto brincar de viver.

domingo, 1 de outubro de 2006

Viver de Luz


Queria acordar da realidade às vezes, como de um sonho.
Republicar a minha vida e enxergar-me inteira. Trecho por trecho reconstruído lá dentro de mim.
Queria dar um beijo na testa do meu amor e entender-me plena.
Desfazer –me de tudo o que é efêmero e supérfluo e viver de luz.

Poema de mãe tecido em declarações de amor ou Todas as mães são imperfeitas

Gosto de muitas coisas imperfeitas
Minha mãe é a primeira delas
Sua imperfeição me comove
Seus traços tortos, iguais aos meus, quanto poesia!
Seu olhar cansado da labuta vida
Seus sonhos esquecidos...não é mais menina
Lembro das palmadas injustas
Dos solavancos tropeiros
Da palavra doída em momento de dor
Olho teu olho no fundo
Suas lágrimas não derramam mais
E apesar de tudo sei do seu amor
não disse as melhores palavras. Não soube.
mas disse as palavras certas.
não ofereceu o melhor estudo. Não pôde.
mas deu o melhor exemplo.
não teve o melhor marido.meu pai.
mas me deu a melhor família. Que pôde
eu vejo a minha mãe e ela existe
Traços tristes, boca seca
Saio de casa e sinto sua falta
Falta dos impropérios verbais
Das dificuldades no abraço
Dos comentários gerais
Ela existe, está ali.
Pronta... Mãe
não é perfeita...nem de longe, nem de perto
mas é impossível não amá-la
é uma criança solta no mundo
um pequeno príncipe às vezes
tanta curiosidade diante do mundo
sua insônia constante, seu espirro profundo
suas paixões, música, amigas de infância, bahia.
olho pra ela e me vejo
eu me vejo em sua imperfeição
Lanço o meu coração ao longe e ela vai grudada nele
Como se fosse ela mesma o meu próprio coração
Então percebo o quanto ela precisa do meu acalanto, do meu afago, do meu senão
sofro sua dor profunda
peno sua solidão
agradeço todos os dias tê-la conhecido
em toda a sua imperfeição...
imperfeição que também é minha
Para dona glória, mulher do seu pedro do bazar, mãe da sandra, da bel, da lucia , da claudinha e do elmo. Mulher que veio da bahia e trouxe um presente pra são paulo: o elmo.

Maio de 2005